VISTOS POR ELE

08/06/2020

Escrito por Isabela Martins


Existe uma parte em todos nós, por menor ou mais imperceptível que seja, que deseja o ser visto, ser contemplado e, creio que acima de tudo, ser compreendido. Para alguns essa é uma necessidade tão gritante que os levam a viver para agradar ao outro na tentativa de ser enxergado de alguma forma pelo alvo do seu agrado. Já para outros é uma necessidade não muito notável, tanto é que para esse grupo de pessoas o discurso de "não ligo para opinião alheia" ou "não tô nem aí para o que vão pensar de mim" é a marca registrada.

Citei aqui o exemplo de dois extremos, mas, sem dúvidas, há mil e um exemplos entre esses dois extremos e eles são bem variáveis e múltiplos. A questão é: ansiamos por sermos vistos. Mas não de forma sucinta e superficial. Queremos ser vistos na profundidade e complexidade do nosso ser e, mais que isso, compreendidos. 

Quando paro para analisar, a arte é o que melhor exprime esse nosso desejo e necessidade, pois ela é sempre uma abstração ou uma representação da realidade. Quando se trata da abstração, ela se esforça para criar um mundo ideal, um mundo livre das dores e lágrimas, da maldade, da mentira. E, quando se trata de representar a realidade, a arte tenta, nas suas multiformes - dança, música, literatura, pintura, escultura e afins - expressar os sentimentos, emoções e desejos humanos com a maior intensidade, profundidade e veracidade possível.

Certa vez uma professora da faculdade disse a classe algo que perpétua na minha mente. Ela disse que os artistas possuem uma sensibilidade elevadíssima, o que torna a vida, a realidade, o mundo em si, muitas vezes, um peso demasiado para eles. Isso se comprova quando estudamos a vida dos grandes artistas que tiveram fins trágicos, como vícios em entorpecentes, bebidas e até mesmo o suicídio. E, se não um fim trágico ou enigmático, uma vida trágica ou enigmática. Incompreensível para muitos de nós.

Essas pessoas deixaram um relicário de obras maravilhosas, complexas e que denotam a sensibilidade ímpar que seus autores possuíam. Olhamos para elas com olhos admirados e desejamos no nosso íntimo ter a capacidade de criar coisas tão magníficas quanto aquelas. No entanto, o que esses artistas tanto buscavam e que, muitos deles, julgaram nunca ter alcançado plenamente? Ao meu humilde ponto de vista: a vida. 

A arte tenta de todas as formas possíveis, imagináveis e inimagináveis descrever, interpretar, desvendar, conceituar e compreender a complexidade da vida, ainda que precise fugir do real para alcançar esse objetivo. O que, para muitos artistas, torna-se um trabalho enfadonho e impossível de ser atingido com excelência. 

Mas o que eu fico imaginando é para quem eles compunham suas poesias e músicas? Para quem pintavam seus quadros ou esculpiam as esculturas? Não "o que", mas "para quem". Aos olhos de quem Leonardo da Vinci quis que os mistérios escondidos na singela Monalisa fossem desvendados? A interpretação de quem Emily Dickinson buscava ter nas entrelinhas de suas poesias e em quem buscava a compreensão para sua vida solitária? E a compreensão de quem buscou Van Gogh para sua forma peculiar de ser e pintar? Quem? E talvez a resposta seja "qualquer pessoa". Qualquer pessoa com olhos, coração e entendimento sensíveis o suficiente para compreender a complexidade daquilo que eram, sentiam, pensavam e enxergavam a respeito da vida, do mundo e de sua própria existência. Mas receio que esse ser nunca tenha existido nesse mundo e eles receavam o mesmo, por isso, talvez, tamanho desgosto e desgasto. É muito difícil compreender por completo qualquer coisa que o outro faça ou seja. Existe uma infinidade de coisas que interpelam todas as nossas ações e aquilo que somos, coisas essas que até mesmo nós, que vivemos em nossa própria pele, desconhecemos. E, sendo assim, torna-se até injusto exigir de outrem a ciência que nem nós mesmos possuímos a nosso próprio respeito.

O exemplo dos grandes artistas são quase palpáveis, pois suas vidas, obras e mortes são conhecidas por nós, o que nos leva a ver facilmente a frustração pelo inalcançável. Mas isso também existe em todos os seres humanos, talvez apenas de forma mais sutil. Os olhos de quem buscamos?

OLHOS IRRESISTÍVEIS

Quero agora lhe apresentar um par de olhos que penetram o mais íntimo do ser de qualquer ser humano, que sondam o tártaro do coração humano, que até mesmo no mais profundo abismo e densa escuridão enxergam claramente quem somos, o que desejamos e pensamos. Que conhece nossos passos antes de os executarmos e nossas palavras antes de as pronunciarmos. Olhos que são impossíveis de serem evitados, pois estão em todos os lugares e sobre todos os viventes. Olhos que nos viram enquanto éramos formados no escuro e silêncio do ventre materno, e possuem conhecimento prévio de todos os nossos dias antes mesmo deles existirem para nós. Parece uma ideia impossível, uma utopia, pois quem pode nos conhecer tão profunda e intimamente? Quem pode nos ver de forma maravilhosa e assustadoramente completa e complexa? Que olhos são esses? 

"Senhor, tu me sondas, e me conheces.
Tu conheces o meu sentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento.
Esquadrinhas o meu andar, e o meu deitar, e conheces todos os meus caminhos.
Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces.
Tu me cercaste em volta, e puseste sobre mim a tua mão.
Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado é, não o posso atingir."
Salmos 139.1-6

Esses são os temerosos e maravilhosos olhos do Senhor, do Deus vivo, do Deus Criador do Universo. São esses olhos que nos sondam e nos cercam, é esse conhecimento que nos prescruta. Nada escapa dos olhos implacáveis do Senhor, nada foge de Sua onisciência. 

Particularmente, eu tenho uma paixão pelo Salmos 139, ele é lindo, choro quase sempre que o leio. E o que quero trazer com ele é que os olhos do Senhor sondam tudo aquilo que somos, fazemos e desejamos. Quando tomamos ciência de que o Senhor nos vê e decidimos viver somente sob Sua audiência, somos supridos em todas as nossas necessidades de sermos vistos, contemplados e compreendidos, como dito outrora. Saber que o Senhor me vê tem um impacto enorme na minha vida e quando digo que ele me vê e te vê, estou me referindo a absolutamente tudo que compõe o nosso ser, a nossa jornada e tudo que venhamos a fazer, pensar e desejar. Isso inclui as coisas mais belas, justas, amáveis e louváveis a nosso respeito, tal como as mais sujas, perversas, injustas e má intencionadas. E esse é um ponto essencial para ser abordado: o olhar do Senhor não é seletivo para com as nossas atitudes, Ele vê absolutamente tudo. Entretanto, Ele não vê apenas nossas ações, Seu olhar penetra até mesmo o mais íntimo do nosso coração e sonda todas as intenções que nele existe. Isso faz Dele o único justo juiz, pois quando julga, não pesa na balança apenas as ações, mas também os desígnios.


Para todos os efeitos, ter ciência do olhar do Senhor sobre mim é o meu consolo, pois sei que Ele viu/vê tudo, nada passou/passa desapercebido pelos Seus olhos. Ele vê minhas quedas, minhas guerras e minhas conquistas, por menores que sejam. Ele vê as más intenções que interpelam até mesmo minhas boas ações e me corrige por isso, com e por Seu infinito amor. Ele vê as vezes que sofro injustiças e me calo perante elas, mas também vê a raiva e ódio silenciosos que inflamam meu coração e me alerta para tirá-los depressa de lá. Ele vê as lágrimas derramadas no silêncio das noites, os gritos mudos e as angústias crescentes, e derrama sobre mim Seu consolo infalível. Ele vê meus passos... Ah! Os meus passos! Ele bem sabe cada um deles, Ele bem conhece os caminhos que meus pés já trilharam, trilham e também os que ainda trilharão. Ele vê o meu andar e sempre me alerta quando meus passos estão fugindo um milímetro que seja dos Seus caminhos de justiça. 

Se ninguém sabe, Ele o sabe. Se ninguém o compreender, Ele o compreende. Se ninguém o vê, Ele o vê. 

Faço de um tudo para viver somente para a audiência Dele, pois somente Ele conhece tudo a meu respeito, até mesmo o que eu não conheço. Por Ele sou vista, contemplada e compreendida. Se hoje você me perguntar os olhos de quem eu busco, já sei o que responder. Busco os olhos que estão sobre mim desde antes de eu vir ao mundo. Os olhos irresistíveis de amor do Senhor.

E você, os olhos de quem busca? 


Ouça a canção "You see" de Jonathan Ogden


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