IDAS E VINDAS: PARTIDA

16/08/2019

Escrito por Isabela Martins

Mais uma vez encontro-me a fazer bagagens. O vento fresco de outono entra pela janela acima da escrivaninha do quarto, embora faça um sol tímido e aconchegante. Olho o bilhete comprado durante a semana em cima da escrivaninha, o trem partirá às 14h36. "Que horário de partida mais estranho", comento mentalmente. Junto ao comentário me vem pensamentos sobre a estranheza das partidas, o peso dos "até logo" carregados da incerteza de que se "até logo" é logo mesmo, dos "adeus" esperançosos de um reencontro preparado pelo acaso e, por estar aprontando minhas bagagens, penso também no que as pessoas carregam nas suas. Sempre achei intrigante as bagagens que as pessoas carregam, desde uma simples bolsa nos braços de uma moça na rua até as grandes bagagens de quem fará uma longa viagem, questiono-me "o que carregam?", "o que há de importante pra elas?", "por que tais coisas são importantes?", "quais critérios as pessoas usam para arrumar suas malas?". Essas perguntas me intrigam toda vez que reparo as malas das pessoas, creio que elas dizem muito a respeito de cada um, quem são, o que querem e onde querem chegar. Inconscientemente isso toma meus pensamentos enquanto faço as últimas conferências em minhas malas.

Já na estação, vejo os abraços calorosos, os beijos apaixonados banhados por lágrimas de felicidade pelo reencontro ou de dores pela breve (ou não) separação. Reparo nas recomendações de cuidados que as mães fazem aos seus filhos e os pedidos das mesmas para mandarem notícias periodicamente. Vejo pessoas dando presentes às outras como forma de lembrança, vejo alegria e empolgação em alguns olhos, tristeza e dor em outros, mas, de alguma forma, vejo esperança em todos. Em uma estação há pessoas de todas as classes sociais, condição financeira, etnias e idade. Pessoas diferentes, não apenas nas aparências, mas também na composição de caráter e em todos os aspectos que faz de cada ser humano um indivíduo. Pessoas com diferentes tamanhos e quantidades de bagagens e diferentes destinos. Cada passo que damos dentro de uma estação nos norteia para mais perto de nossos futuros destinos. Ouço a chamada para embarcar no meu trem que acaba de chegar a estação.O mais estranho é que o tempo de partida chega de forma repentina, sem avisos prévios. Até imaginamos que ele chegará para todos nós, mas nunca imaginamos de qual forma e ele sempre dá um jeito de ser surpreendente. Quando vemos, lá estamos carregando nossas bagagens pela estação a procura da plataforma de embarque do trem que nos levará à mais um destino desconhecido, exigindo uma coragem ,também desconhecida, por muitos de nós. Partida traz dores que as palavras mais complexas e carregadas de significados tornam-se incapazes de traduzir-las. Algumas arrancam lágrimas de nossos olhos, outras nos paralisam a ponto de encontrarmos apenas o silêncio e outras sempre serão uma incógnita. As partidas dão-se por inúmeros motivos, uns partem por amor, outros por dor. Alguns veem a partida como única esperança de recomeço, enquanto outros, a única forma de dar fins definitivos à algumas histórias. Uns se vão achando que sabem bem quem são e perdem-se e outros se vão para encontrarem a si mesmos em algum lugar desse mundo.Ao partimos achamos, muitas vezes, que estamos levando às ruínas os castelos de boas coisas que construímos com alguém ou em algum lugar, quando, na verdade, essas coisas tornaram-se boas lembranças eternizadas que carregaremos na mala. Estamos em um lugar para aprender e ensinar alguma coisa, quando ambas as tarefas são realizadas, a missão foi cumprida e, logo, um novo nível é desbloqueado, se faz necessário passar de fase. O grau de dificuldade aumenta, mas as suas habilidades também estão mais eficazes do que no começo da fase anterior. Novos desafios surgem, mas seu nível de sabedoria também é mais elevado. Novos monstros tentam te assombrar, mas você já não é mais uma criança medrosa. Nada é mais como antes, nem a fase do jogo e nem você. Nem o momento da vida e nem sua cosmovisão.Partir não é fácil, mas, por vezes, necessário. Quando já aprendemos e ensinamos aquilo que precisávamos, é hora de comprar um novo bilhete, arrumar as malas, encarar a estação lotada novamente a procura do trem que te levará a um novo destino, a um novo horizonte.

Desperto do transe de meus devaneios com o maquinista pedindo- me meu bilhete para conferência. Ele confere, grampeia e eu entro no trem a procura do meu assento. Meu lugar é ao lado de uma senhora simpática com olhos sábios e expressão acolhedora. Ela sorri e diz:-Será uma longa viagem, minha jovem. - afirma ela com ar de quem não é passageira de primeira vez em longas viagens nessa vida - Aceita tomar um chá com essa velha senhora que lhe fará companhia até seu destino? Soube que o chá que eles oferecem é divino.Eu aceito o convite de muito bom grado com um largo sorriso e caminhamos de braços dados e muita conversa até o vagão do restaurante. Partir não é um verbo fácil de se conjugar na vida, mas ele se faz presente na passagem de cada novo capítulo. E, as vezes, em meios as partidas, recebemos da sabedoria o convite para um chá.

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